É com enorme alegria que publico esta visceral entrevista do não menos polêmico Diego Khouri, meu querido amigo e ''sobrinho'' do coração!
Diego, filho da exclusão. fale, um pouco sobre esta exclusão, quem são os que te excluem? Quais as motivações deste grupo?
Parece que a Morte, única deusa pagã que me abraça anda me espreitando desde meu nascimento como uma possessa sangue suga sem pudor e paz. Andar na corda bamba enfrentando situações limites é algo inerente ao meu espírito. Sofri desde bem novo o tão famoso bullying que hoje na mídia virou matéria de audiência. Chute na saco, cuspe na cara, humilhações diversas, exclusão total. Era visto como um ET. Um bicho coagido e sem graça. O palhaço sem humor, com uma cara de sonso que não sabia se portar como as outras pessoas em nenhum ambiente. O clown assustado. Meu grande pecado: gostar de arte. Ahh arte, grande filha da puta do caos dos sonhos! Isso desde bem novo. Primeiro veio a exclusão na família, depois fora dela. Em contraposição as humilhações que sofri eu ia compondo poemas, desenhando sem parar e tudo com uma abordagem totalmente transgressiva e dilacerante. Escrevi inclusive aos oito anos de idade um livro de 100 páginas chamado REI VERGONHA, onde revelo meu ego, minhas inquietações, revoltas e desejos. Apesar do título singelo o livro contava com cenas de chacina, suicídio e tinha nele embutido uma visão idílica da sociedade, um sonho de mudança e o amor dominando enfim todas as atitudes do homem. Uma ilusão naquela época ainda tão sonhadora. As porradas da vida me levaram ao punk rock e absorvi em minha personalidade toda aquela carga niilista e pesada do estilo e passei a enfrentar as pessoas sem medo algum e minha poesia e desenhos nessa época começaram a ficar de fato indigestos para a sociedade geral. Depois foi a chantagem dentro da própria família. Eu perante a Morte, doente, com a boca no vaso durante quatro dias. Parentes rindo de minha condição inferior naquele momento. Erro médico. Dezesseis dias sem comer e sem soro e dreno. Trinta quilos a menos. Erro em cima de erro. Furaram meu intestino e minha alma. Nunca mais me equilibrei.
Quem mais te inspirou e quais os autores, músicos, artistas, enfim que mais te impressionam?
O primeiro poeta que me chamou a atenção foi Fernando Pessoa. Eu devia ter uns oito anos de idade. Me marcou profundamente aquela sua linguagem irônica e intensa, embora pela idade, algumas coisas naquela época ficaram no ar. Depois, mais tarde, aos quatorze anos de idade, li dois sonetos do Augusto dos Anjos que me chocaram muito. Cheguei a vomitar fisicamente e psicologicamente. “Versos íntimos” e “Psicologia de um vencido”. Nunca mais fui o mesmo. Sempre encarei a arte como um núcleo visionário de mudança interior. Não admito a possibilidade de alguém ler Rimbaud e não mudar de vida. Eu encaro a arte como uma porrada. Uma ferida sem cura. Um desvio alucinante da mente. Assim como o sexo, as drogas, as bebidas, as sensações etílicas, os estados fantásticos, a poesia dá um barato fundamental pra vida, como já nos dizia Paulo Leminski. Mais tarde veio a literatura romântica, o simbolismo, surrealismo, todos movimentos de vanguarda, a geração beat, a filosofia de Nietzsche, Schopenhauer,o magnetismo poético de William Blake, a pintura de Frida Kahlo, René Magritte, Toulouse Lautrec, o rock n’ roll, jazz, bossa, nova, blues, a minha experiência pessoal com o xamanismo e ayahuasca, minha participação em escolas de filosofia, meus dias no hospital, minha revolta, o cinema de Glauber Rocha, Stanley Kubrick e Sylvio Back, os fanzines dos anos 70, Angeli, Glauco Mattoso, Marquês de Sade, Arrigo Barnabé, a MPB dos anos sessenta, as noites de porre, as ressacas, as horas angustiantes nos ônibus lotados, a agonia de um escritório asfixiante, e tudo, tudo isso me inspira e ainda me impressiona e me leva a criação. Eu faço poesia num desespero sem tamanho, numa dor sem igual; claro que há também momentos de prazer e realização, mas isso eu deixo bem vivo na memória para que eu não fraqueje e caia novamente.
Um poeta e artista plástico, já li no seu blog muita coisa interessante e bastante visceral, de onde vem tua inspiração? Qual teu trabalho favorito na escrita e nas as artes plásticas?
A minha inspiração vem de minha necessidade de respirar e não conseguir. De tentar me libertar e ver na imobilidade da existência um câncer sem fim. De me entregar à vida e me ver preso nas amarras da monstruosidade “burrocrática” e tecnocrática exagerada de nossos tempos. De olhar para o céu e clamar a divindade uma luz e só ver trevas. Mas parece que agora começa se apontar uma pequena luz e estou no seu encalço como um doente atrás da cura. De todos os meus trabalhos o que mais gosto é aquele que eu pego, vejo e sinto as mesmas sensações que senti no ato da criação. Enquanto João de Aruanda continuar me guiando penso que não desistirei dessa jornada tão cheia de espinhos. Parece clichê, mas ainda ei de respirar.
CAMA SURTA: um blog que muitos curtem mas que você classifica como desimportante e até como "cagatório de experimentos". Por que esta definição tão crua?
Esse blog eu fiz com uns amigos, pois tínhamos um projeto de fazer zines e também divulgar na internet nossas idéias. Começou com o fanzine VERTIGEM. Mas vi que só eu estava empenhado, me dedicando o tempo todo, correndo atrás; abandonei o grupo e o projeto morreu. Depois criamos por insistência dessas mesmas pessoas o CAMA SURTA e nada. Esse blog é resquício dessa época. Depois de muito tempo, mesmo sendo leigo pra caramba em computador criei o fanzine impresso com esse mesmo título (CAMA SURTA), que defini como “folhetim coprofágico filosófico desimportante” ou cagatório de experimentos, que é pra combater essa arte extremamente técnica de nossos dias, uma volta a um certo parnasianismo, mas um parnasianismo sem graça e pedante. “Poetas de gabinete”, pegando uma afirmação de Roberto Piva para traduzir como anda a poesia hoje --Totalmente racional. Por isso nesse fanzine eu trabalho na fronteira entre o belo e o torpe. Inclusive na capa da segunda edição coloquei a foto de um órgão sexual feminino e isso causou inúmeras polêmicas. A poesia do delírio dos ditirambos morreu junto com essa era pragmática e sem utopia. O mundo alternativo, ou underground, como queiram dizer, está aí para tentar resgatar os valores atemporais platônicos poéticos delirantes que foi esquecido ou camuflado. Mas Ainda há muita coisa boa por aí. O Fabio da Silva Barbosa, Eduardo Marinho, Wagner Teixeira, Ivan Silva, Winter Bastos, Alexandre Mendes, entre tantos outros artistas, que ainda fazem valer a voz da literatura abrindo os olhos das pessoas apontando para novos rumos que não seja apenas a obscuridade desse consumismo exagerado, essa mesquinhez bandida, e todas essas ilusões que só levam ao vazio e ao nada.
Teu mais novo projeto, Molho Livre, onde tive a honra de aparecer, tem causado controvérsia. Fale um pouco sobre os seus objetivos.
O blog Molho livre tem nada a ver com o fanzine. O molho vem da idéia “molho de chaves”, bagunça, loucura, junção, etc. Livre é a liberdade de imprensa que tanto valorizo e que hoje só existe na cultura alternativa. O fanzine MOLHO LIVRE é uma revista de poesia visual, concreta, com poemas e aforismos. Um órgão de imprensa sem licença, como costumo dizer. O Cama Surta já é de entrevistas, poemas marginais, textos teóricos. Tive a honra de entrevistas grandes artistas como o Glauco Mattoso, A Wild Blumen, Queiroz Filho. O blog Molho Livre portanto, é uma mistura do Cama Surta e do Molho livre impresso. Difícil explicar essa bagunça toda né (risos). Meu novo objetivo é continuar editando zines, publicar livros e expor meus quadros.
Quais seus livros inéditos, "conta um pouquinho pra gente"!
Vou lançar, como disse, um livro de poesias em 2011 que desde a estrutura dos versos à linguagem, a colocação das palavras, tudo irá chocar os mais conservadores. Penso que esse livro irá me salvar. Será a redenção que necessito. O ar que busco e não encontro. Poderei exorcizar minha dor de vez. Meus pulmões irão agradecer.
A linguagem para você é uma questão importante no teu processo de criação, descreva um pouco este prazer e sua interação com outros escritores.
Pra mim, o mais importante é a música e não a rima. A poesia inclusive veio disso, dos trovadores, da melodia cantada. Mas acredito que para romper com os cânones da arte primeiro é preciso mergulhar a fundo no clássico. Hoje me dou o direito de fazer sonetos sem métrica, sem rima, mas para isso fiz infinitos poemas metrificados. Ao escrever um poema eu sinto a canção vibrar minha alma e meu corpo. É quase uma dança sexual de acasalamento. A palavra está me seduzindo e eu aceito a sua corte. Mas é isso mesmo. A palavra tem que ser subvertida e a música em seu cerne deve mover-se como um deus possesso, o tão aclamado cântico dos ditirambos. A minha intereção com outros escritores deve-se quase que unicamente a internet, pois nos poucos eventos de sarau que participo sou visto como um louco, demônio e sei lá mais o quê.
Inútil. O que você tem de mais criativo e interessante você define como inútil. Esta definição vem da incompreensão do teu trabalho pelos burocratas da mídia?
Em um mundo tão injusto e cada vez mais tecnocrático, onde cada pessoa é vista como uma mercadoria, uma carne de açougue, seria estranho ver a poesia sendo encarada pela sociedade como algo útil e necessário. Penso inclusive como Leminski que ela é uma das coisas que não precisam de justificativas. A poesia É e pronto. Da mesma forma que o orgasmo não tem explicação a poesia também não. E ainda mais sendo um poeta tão “indigesto” a inutilidade torna-se maior para os olhos das pessoas e principalmente os ”burrocratas” da mídia.
Precisa dizer mais? Obrigada, Diego pelo momento de prosa explícita!