terça-feira, 11 de maio de 2010

São Paulo rock city

Dia de chuva, um frio beirando o horrível, daqueles... Eu atenderia uma garota com dificuldades de aprendizagem para quem crio atividades em função dos conteúdos usando DVDs, vídeos da BBC, NASA, History Channel e por aí, que adiou o atendimento de hoje. Só me restou ficar em casa bem quentinha, munida de pipoca de microondas e um café recém passado na cafeteira italiana daquelas da nonna (que chato né, gente?). Para aumentar o "desconforto", recorri a um filme velho na TV aberta. BBBBBaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!
Achei este filme, do qual nem lembrava mais: Detroit Rock City. Nele alguns amigos devidamente adolescentes, de uma geração vizinha a minha, com os últimos pais com auto estima que habitaram o planeta, decide ir a um show do Kiss e ganham ingresso de uma rádio o outro lado do país. Todos os mais deliciosos ingredientes que povoavam o imaginário dos teens da minha época e que protagonizei com os meus amigos como pegar carro de um dos pais, colocar todo mundo dentro, enfrentar gigolôs no caminho, e se envolver nas maiores presepadas pondo sua integridade em risco, mas tudo por um rock show, desfila neste filme que me deu até nó na garganta.
Lembrei da São Paulo onde vivi e que não existe mais, uma cidade que começava a ser grande, em que alguém de jeans e camiseta era temido até pelos marginais, mesmo sendo um pré-vestibulando. Em que os fãs de dance combatiam os rockeiros na porrada, já que as garotas ricas (naquele tempo não havia as pobres mal acabadas com roupa de crediário da C&A e Renner que se convencionou chamar de pati) com o fetiche que a brasileira tem por cabelo enlouqueciam ao ver as madeixas dos mais favorecidos, numa era antes da enganadora chapinha e do mega-hair barato. Os pais se enchiam de horror ao ver seus tchutchuquinhos/as de repente se tornando roqueiros, o que demandava atitude, engajamento político além da diversão propriamente implícita em soltar o que há de mais visceral dentro de si.
Ah, eu era a pioneira. A heroína. A primeira em tudo. Não só era uma aluna que nem precisava estudar (a não ser matemática que nunca dominei) mas era chamada enciclopédia ambulante. E de rock, de música, a primeira guitarrista punk na garagem do Bubby na Vila Nova Conceição em que pacatos descendetes de italianos, alemães e portugueses ouviam Frank Sinatra, Ray Connif... E os jovens "moderninhos" ouviam dance. Nossos rolês de Skate que iam até a vila Olympia, um lugar tremendamente pacato, assustavam os moradores.
Só com o cine Vitrine passando poucos clássicos de bandas já então jurássicas dos anos '70, o Rock Show que fechou logo, o Carbono 14, a Fofinho rock clube, Led Slay, Heavy Metal, como ponto de encontro da galera que curtia de um tudo, desde Venon até Bill Halley, e rolava sem treta um Motörhead com AC/DC e os regressivos tipo Pink Floyd era muito bom.
E sempre que uma banda vinha ao Brasil da ditadura era uma epopéia conseguir ir, assistir, entrar vivo, quando nem nos nossos mais doidos sonhos imaginaríamos que um dia existisse o Estatuto da Criança e do Adolescente e que seríamos alvo de pivetes impunes. Na época, adolescente era sinônimo de saco de pancada, e roqueiro então, alvo móvel. Nem em sonho se pensava que além da Woodstock do Walcyr um dia existiria a galeria do rock.
Por isso a emoção ao ouvir o Cheap Trick, Ramones, então, nem se diga! E aí comecei a berrar e a pogar no meio da sala do apartamento com a minha filha mais nova. Nunca tinha feito barulho no prédio, mas hoje era diferente e a mudança já tá até encaixotada. E quando a música mudou comecei a brincar de Charles Wikipédia: esta banda é o Status Quo, de 76 e este disco é o Level Headed. Este é o Sweet, do disco de 1974! E assim, Daisy Wikipaedia ia contando de quem era a música e do LP, da capa, do ano. E cada vez que o som pesava, dá-lhe berrar e pogar na sala. 
O karma de um rock fan nunca muda. E não é que o dono do prédio, que jamais fica aqui, estava no meu corredor? Delicadamente, tocou a campainha e pediu pra usar uma tomada pro cabo de alguma ferramenta. Pegas fazendo "arte", o filme ficou ainda mais delicioso. Contei a ela que o Kiss já perdeu o Eric Carr para quem fizeram a mais rock'n roll das homenagens. E que no primeiro show deles em que fui, me perdi dos que estavam comigo e usufruí de uma liberdade nunca imaginada. E que tive o desgosto de assistir outro do Kiss sem maquiagem, mas mais tarde destruíram maquiados o autódromo de Interlagos, meu vizinho na época.
Tive uma fase tenebrosa de enganação com os machistas sem talento que se escoravam no fanzine para alcançar uma fama de global que jamais terão em detrimento dos talentosos poetas, desenhistas, companheiros de roteiros e filmes B. Utilizaram o que manifestava irreverênvia para poder ser reverente ao corporativismo. Mas isso não encobre a alegria que era manifestar o nosso inconformismo e rebeldia, coisa que deixou de existir.
Meus amigos  Jimmy, Agnaldo, Sheena, Coxinha, "Ozzy" Carlos Maurício, Patinho e tantos outros que já me esperam na eternidade, pra retomarmos nossas bandas, sem falar nos meus deuses, entre eles os Ramones,  já acensionados ao Olympo, o meu eterno carinho e amorosa lembrança.

God give rock´n roll to you!

2 comentários:

  1. Cara, isso é maravilhoso! Sem querer ser melancólico, mas é espelho da minha época, as vezes sinto até um aperto no coração quando vejo certas coisas ao meu redor...É, acho que estou ficando velho demais.

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  2. Tá, não, amigo! Meu trabalho é na maioria com crianças, adolescentes e jovens pré-ENEN e vestibular. Iu iniciantes universitários. Eles ainda se apaixonam por bandas de rock, e curtem as da nossa época, mas numa grande mistura com o que toca no rádio. É um ecletismo como eu sempre sonhei. Ainda "dão perdido" nos pais pra sair com os amigos e ir a shows, hotéis atrás de autógrafos de cinquentões. A juventude não se renova, não se altera. É como nossa geração a criou e o Slade berrava: keep on rocking!

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