terça-feira, 9 de julho de 2013

Um garoto chamado amigo


Vendo o relato doloroso de alguém que perdeu um grande amigo, daqueles que se tornam irmãos de sangue da gente, fico lembrando dos que eu também tive. O mais dolorido nestes casos é que quando eles vão, fica o vazio que nunca mais aparece alguém com a mesma qualidade para preencher. 

Lembranças de amores, a gente apaga. Joga tudo que possa desenterrar a pessoa fora. De inimigos então, é uma beleza. A gente esquece de um jeito que pode se confundir e quando encontra a pessoa dar até um abração! Aqueles primos turrões que a família dizia que eram os exemplos e mais tarde se tornaram os mais ferrados, bêbuns, mais infelizes, chifrudos e etc...
Aaah! Mas os amigos... Aqueles que estão ali vivendo com a gente as grandes conquistas da vida, a primeira volta sem cair da bicicleta, o primeiro braço quebrado, a primeira música tocada inteirinha com firula no final, a primeira letra escrita, o primeiro amor e a subsequente dor de corno, os porres, a fumaça...
   Eles estão ali e a gente nem percebe. Eles se incorporam não só a nossa vida, mas ao nosso corpo. Viram uma parte ali, como o coração e o apêndice. Aliás, apêndice não. Quando a gente opera depois de um tempo se não vir a cicatriz nem lembra. Ficam como tatuagem, como disse alguém sobre uma mulher. E um dia, sem que nem porque eles foram extirpados do nosso corpo vital. Ferida que nunca cicatriza.
A vida continua, e alguns covardes como eu adorariam terminar neste momento mas não tem coragem, ou aparece algum ''abençoado'' que chama ambulância. E ela vai passando. Nós juramos que não passaremos nem um único dia sem lembrar aquele amigo. E sem pedir aos deuses.
Todos os religiosos vem em caravanas tentanto de consolar e te suprir. A gente acredita só no que precisa. Só que a vida é muito sacana e vai ''tacando'' coisa na gente. E um dia aquela lembrança vai ficando fosca, depois transparente, e a vida rindo ali. E aí a gente nem percebe que ela conseguiu quase apagar aquele órgão vital.
Até que alguma coisa dispara o gatilho e lá vem aquela dor e agora ela faz a gente rir. Rir até chorar. Eu fico feliz só por uma coisa: nunca fui como eles. Quando eu bater no crematório e alguém com forte sotaque nordestino entrar com a vassoura perguntado:
-Ô meu rei, pra onde vai esta urna?
A resposta distraída será:
-Vai pro porto, despejar no mar. Deixa ela ali naquela caixa de papelão.
Nunca fiz ninguém e nunca vou fazer alguém passar por isso. Que bom eu ter resolvido virar uma sombra, que um dia não ficará fosca e depois certamente ficará transparente.




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